Sabedoria prática

Muitas vezes vemos a sabedoria como o acúmulo de conhecimento, formamos a imagem mental do sábio em sua torre de marfim, lendo livros e mais livros. Assumimos que assim se constrói a sabedoria, mas essa é uma ideia errada, pelo menos ao se tratar de sabedoria humana.

A sabedoria não é algo estático, mas algo que se vive diariamente. A sabedoria é prática, tem de ajudar nas decisões que fazemos constantemente em nossa vida, nossos relacionamentos, nossos valores morais, em nossa vida prática.

O computador, mesmo possuindo acesso a praticamente todas as informações do mundo, não é considerado um sábio, pois por mais que ele tenha acesso a todo esse conhecimento, ele não sabe realmente do que se trata toda essa informação, ele a conhece, mas não a entende.

O mesmo se dá com o “sábio” da torre de marfim, por mais que ele tenha lido todos os livros do mundo (o que é impossível) e tenha muita informação, se ele não está vivendo o dia a dia, ele não conseguirá vislumbrar a aplicação de todo esse conhecimento, e jamais conseguirá compreendê-los em sua totalidade.

O estereótipo do filósofo da torre de marfim é uma ideia da idade média, porém é bem diferente da experiência filosófica grega por exemplo. 
Os filósofos gregos eram pessoas ativas, que se engajavam na vida prática, sua filosofia fazia parte de sua vida; seus valores e ideias só eram valiosos pois impactavam diretamente na forma que eles viam e interagiam com o mundo, na forma como tocavam suas próprias vidas e sociedade.

O conhecimento aplicado impacta a experiência humana

Há algumas inovações que resultam em uma mudança substancial na forma como as pessoas vivem e enxergam o mundo, muitas vezes nos esquecemos disso e tendemos a pensar que o mundo foi sempre assim.

Ao olharmos, por exemplo, para a cidade de São Paulo em pleno século 21, há uma abundância que nunca houve na história, podemos ir em um supermercado e encontrar variedades de alimentos em grandes quantidades. Essa é uma realidade proporcionada por diversas pequenas inovações, que juntas fizeram uma enorme diferença.

Olhando mais especificamente para inovações no campo tecnológico, há tecnologias tão revolucionárias, que estão tão inseridas na nossa vida atualmente, que até esquecemos que são invenções humanas do último século, como a internet.

O impacto que uma tecnologia como a internet tem na vida das pessoas é imenso. Hoje através da internet conseguimos nos comunicar com pessoas em diversos lugares do mundo, aprender basicamente sobre qualquer assunto, participar, remotamente, de momentos especiais como o nascimento de um neto, mesmo em um momento de pandemia onde há restrições de viagens, enfim, a internet abriu uma infinidade de oportunidades para a humanidade, e muitas das inovações que vieram depois dela só aconteceram por meio da colaboração entre pessoas de diferentes localidades que a mesma proporcionou.

Eu poderia me estender ainda mais sobre o impacto da internet ou outras inovações tecnológicas, mas esse não é o assunto desse texto, meu ponto é mostrar que as inovações desempenham grande impacto na vida humana, na nossa forma de ver e interagir com o mundo.

Inovações trazem novas perguntas e desafios

As inovações e novos paradigmas que as acompanham, também trazem seus próprios desafios, dilemas éticos e sociais que precisam ser gerenciados. Um exemplo é o próprio conceito de linha de montagem e especialização do trabalhador, que se provou uma forma eficiente de se construir coisas, mas, ao mesmo tempo acrescentou o problema da superespecialização profissional. Quando há uma superfragmentação do trabalho, o interesse do indivíduo em executar tal atividade é destruído, fazendo com que o trabalho deixe de ser prazeroso.

Não podemos esperar que filósofos e sábios do passado respondam essas novas questões que surgem com a inovação, eles não vivenciaram tais mudanças para poder opinar. Cabe a nós, munido de toda a sabedoria nos legada por tais pessoas, resolvermos nossos próprios problemas, com sabedoria e discernimento.

É nosso papel, em um mundo de assistentes virtuais, inteligência artificial, robôs inteligentes, reinterpretar ideias como a de Descartes. Ele não viveu para ver os avanços da tecnologia que nós temos hoje, será que suas ideias sobre robôs e consciência ainda cabem no mundo de hoje? Talvez sim, talvez não, cabe a nós nos questionarmos.

Toda grande mente que nos legou conhecimento e sabedoria viveu em uma época e contexto específico. Tais conhecimentos precisam ser avaliados no nosso contexto atual, frente aos avanços e descobertas que vieram depois deles. É claro que há muito nesses ensinamentos que seja atemporal, mas mesmo nesses, há aplicações práticas que possam precisar de pequenas adaptações.

Conclusão

O extremo de se perder a perspectiva filosófica e histórica, vivendo na “bolha” do nosso próprio tempo, focados no trabalho, acúmulo financeiro, descobertas científicas e satisfação dos prazeres, deixando totalmente de lado a busca da sabedoria, é perigoso, pois não poderemos compreender plenamente nosso próprio momento histórico se não tivemos um panorama da jornada que nos trouxe aqui. Se não estudarmos as ideias de grandes mentes que vieram antes de nós e o contexto histórico em que as mesmas foram concebidas, poderemos cometer erros já cometidos no passado, ou até piores. Aprender com nossa própria história é sinal de inteligência, e também uma forma eficiente de se viver.

Já o extremo da alienação causada pela filosofia da torre de marfim, deixando de compreender minimamente o contexto social, científico, político e religioso do nosso próprio tempo, também é perigoso. A sabedoria é prática, ela se manifesta em um tempo e espaço, se manifesta na nossa vida, nas escolhas que fazemos, nos nossos relacionamentos, na forma como interagimos com o mundo.

Temos que buscar o equilíbrio entre a busca da sabedoria, aprendendo com a história e as grandes mentes que viveram antes de nós, mas sem nos alienarmos da nossa experiência humana, dos prazeres e dificuldades atuais, do que nossa própria época tem para nos oferecer, os desafios e dificuldades que temos de enfrentar.

Devemos construir um novo futuro com sabedoria.

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