No post O que somos nós? falei um pouco sobre a filosofia empírica, para a qual a experiência sensorial é a fonte do nosso conhecimento.
Para o empirismo nós nascemos como uma folha em branco e adquirimos conhecimento através do que experienciamos.
Kant concorda com parte da filosofia empírica de que o conhecimento vem através das experiências, mas para ele não somos como uma folha em branco, totalmente passiva, que percebe o mundo exatamente como ele é. Ele defende que possuímos alguns atributos cognitivos – inatos ao ser humano – que nos faz compreender as experiências. Atributos esses que chamamos de razão, ou seja, nós vivenciamos as experiências sob a ótica da razão.
Jostein Gaarder em O Mundo de Sofia, usa uma analogia muito boa para compreendermos essa ideia: o uso de óculos com lentes vermelhas.
Ao colocarmos óculos de lentes vermelhas, passaríamos a enxergar tudo com uma tonalidade de vermelho, mesmo que as coisas em si não sejam vermelhas. Ao caminhar por uma floresta com um óculos desse, veríamos todas as árvores, animais, plantas e afins, com uma tonalidade vermelha, ainda que no “mundo real” elas não sejam assim.
Um exemplo desses atributos, existentes na compreensão humana, é o tempo e o espaço, podemos dizer que o tempo e o espaço são como nossos óculos vermelhos, e que tudo que percebemos será percebido por nós através dessa ótica. Todas as nossas percepções serão, inevitavelmente, interpretadas como algo pertencente à um tempo e espaço. Segundo Kant, o tempo e o espaço são propriedades da compreensão humana, não são propriedades do mundo.
Outro exemplo seria a própria lei da causalidade, que para Kant, é uma parte da razão humana.
Hume diz que não conseguimos provar a causalidade entre duas coisas, por exemplo, quando uma bola de bilhar bate na outra, e a outra se move, não podemos provar que a causa da segunda bola se mover foi a primeira ter batido nela, pois não conseguimos experienciar a causa em si, apenas o movimento das bolas. Para Kant a lei da causalidade é absoluta, simplesmente por que nós – seres humanos – sempre perceberemos as coisas como uma relação entre causa e efeito, ou seja, a lei da causalidade faz parte da nossa forma de compreender o mundo, da nossa razão.
No âmbito das sensações, somos como o restante dos animais, vivendo e reagindo ao nosso ambiente. Mas os seres humanos não são apenas seres com sentimentos, somos também seres racionais. Os atributos cognitivos inatos ao ser humano, que nos faz perceber a sensação de forma única, é o que nos diferencia dos animais.
Para Kant, todas as pessoas possuem uma razão prática que nos diz o que é certo e o que é errado na esfera moral. Apenas quando seguimos nossa razão prática, fazendo escolhas morais, que temos o livre-arbítrio. Nossa liberdade consiste em vivermos seguindo os padrões morais impressos em nós.
Parece estranho evocarmos a liberdade pelo ato de respeitarmos uma Lei, mas é exatamente isso, pois só assim temos a oportunidade de vivermos conforme a moral existente em nós.
O viver imoral implica em um viver sensorial, ou seja, viveremos pelos nossos sentidos e faremos escolhas baseados na sensação, algo muito parecido de como os animais vivem. Seremos escravos das nossas própria paixões e desejos.
Viver de acordo com nossa razão nos traz a liberdade para sermos quem realmente somos, seres morais.