O que somos nós?

Na filosofia racionalista há uma clara distinção entre a matéria e a ideia (que também podemos chamar de alma), argumentando que o mundo material é transitório, enquanto o mundo das ideias seria atemporal. A razão seria então a fonte primária do conhecimento, pois só por meio dela que conseguimos acessar o mundo das ideias e conhecer o que é real, pois só o mundo das ideias é eterno.
A filosofia racionalista defende que o conhecimento é inato do ser humano, teoria abordada por Platão em seu diálogo Ménon.

Já a filosofia empírica defende que todos nós nascemos como uma folha em branco, e todo o conhecimento adquirido está relacionado às experiências sensórias que vivemos, ou seja, só podemos saber aquilo que experienciamos.

Na visão empírica, a realidade é coextensiva com o que pode ser experimentado.

Bertrand Russel em História do Pensamento Ocidental

Locke

Locke aborda o conhecimento empírico com sua relação com o mundo real, onde um conhecimento só é considerado verdadeiro se conseguirmos encontrar correspondência nas experiências sensórias.

Locke também levanta a questão se o mundo é realmente do jeito que o percebemos, ou seja, para ele há uma distinção entre o que é percebido pelos nossos sentidos e o que de fato é a realidade exterior que nos rodeia. É nesse ponto que ele traz a diferenciação entre as qualidades sensórias primárias e secundárias, onde as primárias se refere a características como comprimento, forma, quantidade, etc, que são consideradas como características exatas; já as qualidades sensórias secundárias seriam características, digamos que discutíveis, como a cor, aroma, gosto, etc.

Assim como na filosofia racionalista, Locke também afirma a existência de um mundo material.

Berkeley

Berkeley vai além em seu empirismo, afirmando que as coisas são exatamente da maneira que as sentimos, e questiona a realidade de um mundo material. Para Berkeley ser é ser percebido, portanto não faz sentido falar de experiências não experimentadas.

Quando interpretarmos o mundo material como realidade, poderíamos dizer que ao encostar em uma parede nós estamos interagindo com o mundo real, o mundo material, mas Berkeley argumenta que essa seria uma conclusão precipitada, pois as coisas que sentimos não são tangíveis, não temos nenhuma experiência a qual sustente que aquilo que sentimos possui uma substância material por trás de si.

Ao interagirmos com a parede, nós experimentamos a sensação do toque mas não experienciamos a matéria propriamente dita da parede, e como para o empirismo o conhecimento provém de nossas experiências, não podemos afirmar que há uma matéria por trás da sensação do toque.

Assim como em um sonho podemos tocar em uma parede e sentir a sensação do toque, ainda assim ela não possui uma substância material por trás de si. Nós percebemos a sensação, não a matéria.

Para Berkeley a única coisa que podemos afirmar é a existência do mundo das ideias, e não do mundo material. Ele questiona se somos realmente pessoas de carne e osso ou se tudo aquilo que nos rodeia não passa apenas de consciência.

Hume

Hume dá um passo além, questionando o próprio conceito do eu.

Para Hume há dois tipos diferentes de raciocínio, que são as impressões e as ideias. As Impressões seriam nossa percepção imediata da realidade, já as ideias seriam a lembrança que temos dessas impressões.
Segundo ele, às vezes formamos ideias sem que elas tenham correspondência na realidade, pegando partes de impressões diferentes e colocando todas juntas formando uma ideia irreal.

Para Hume o que chamamos de eu, ou personalidade, “nada mais é além de um acervo ou uma coleção de diferentes percepções, que se sucedem umas às outras numa rapidez inconcebível e se acham num estado de perpétuo fluxo ou movimento”, ou seja, quando dizemos “eu sou assim”, estamos pegando uma série de impressões que vivemos ao longo da vida e as colocando todas juntas, formando assim a ideia do eu, que para Hume seria um exemplo de ideia irreal.

E agora? ?

Ao olhar para o eu apenas como um conjunto de impressões, um conjunto de experiências sensoriais, uma primeira pergunta que me vem à mente é o que me impulsiona a querer viver essas experiências? O que me impulsiona a buscar entender o que eu sou? O que me impulsiona a buscar entender a natureza do próprio conhecimento?

A segunda pergunta que me faço é que se a realidade é aquilo que experimento, como saber se o que experimento é real ou se é apenas um sonho?
Pois relacionar a realidade com o que experimentamos é o mesmo que afirmar que quando estamos dormindo, e vivendo experiências em nossos sonhos, o sonho se torna nossa realidade.

Precisa haver uma realidade que exista independentemente de ser experienciada por mim ou não, e essa realidade precisa ser eterna, pois do nada nada pode surgir, então precisa ser uma realidade que existe a despeito de mim e que continuará existindo se eu estiver aqui ou não para percebe-la.

Mas ainda fica a questão de o que seria o eu na minha afirmação acima.

Concordo com Hume no sentido de que não existe uma personalidade imutável, que minha personalidade, gostos e paixões de hoje são diferentes do que eram a 5 anos atrás e serão diferentes daqui a 5 anos, entretanto não vejo essa constante mudança como um argumento contra o eu, na verdade é uma característica do ser, a mudança. A essência do ser humano é esse crescimento.

Me apoio na ilustre frase de Descartes, “penso, logo existo”.
O eu não é minha personalidade atual, o eu é minha consciência, é o que me faz questionar a própria natureza da realidade, é o que me faz buscar compreender o que acontece a minha volta, é o que me faz refletir, ou usando a mesma palavra que Descartes, é o que me faz pensar, é o que me diferencia da mais avançada Inteligência Artificial que pudermos desenvolver.

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